Uma Capa, Um Rio e Uma Grade Lição








Com uma religiosidade de supermercado, como bem indicado pelo teólogo alemão Jürgen Moltmann, as pessoas tem aprendido – erradamente – que não importa os meios utilizados, a benção tem que chegar. Entendem que a relação entre Deus e o homem é uma relação mercantilista do tipo “toma lá dá cá”. Para alcançar tais vitórias esses “caçadores da promessa” acabam transformando passagens e ações bíblicas em uma espécie de amuleto religioso, uma chave que abre as portas dos mistérios de uma “vida de vitória”. Essa noção é incorreta. Precisamos entender, noentanto, que o propósito primeiro de Deus não é uma relação, mas um relacionamento, ou seja, Deus está preocupado com a minha vida como um todo e não com parte dela.

Um exemplo disso que estamos dizendo pode ser visto claramente na narrativa sobre o arrebatamento de Elias e a sua capa que desce sobre Eliseu, em confirmação ao chamado deste (II RS 2. 1-15). Essa narrativa é empolgante e maravilhosa em todos os aspectos.
Elias era o grande símbolo do profetismo em Israel, e foi avisado, por revelação divina, que seria levado pelo seu Senhor. Sob tal expectativa, o tesbita saiu a fortalecer as escolas de profetas que estavam nascendo naquele período; em Betel, em Jerico e na região do Jordão. Ao chegar ao Jordão, o profeta Elias foi “tomado” por Deus “em um carro de fogo”. Deixando cair sobre Eliseu, seu discípulo, sua capa que “era símbolo do ministério profético” e do poder de Deus que repousava sobre Elias. Ao voltar para o Jordão, “Eliseu enrolou a capa e tocou as águas exatamente como vira Elias fazer; mas o rio seguia seu curso, inabalável”(Wangerin, 1998, 383). Então, sob o aparente fracasso gritou o novato profeta: “Onde está agora o Senhor, Deus de Elias? Quando feriu as águas, estas se dividiram para um e outro lado, e Eliseu passou”(II RS 2.14).

A versão do duplo ferimento das águas parece ser uma alternativa possível; senão, qual teria sido o motivo do grito do profeta Eliseu chamando pelo Deus de Elias? Essa narrativa alternativa aparece nas traduções mais antigas da Bíblia em português como Figueiredo (1904), e em uma tradução em espanhol feita por José Miguel Petisco (1995); bem narrada por Walter Wangerin em seu O Livro de Deus, como mostrado acima.

Se esta visão for tomada como uma alternativa possível, veremos que a não abertura das águas na primeira tentativa era para que Eliseu aprendesse uma simples e poderosa lição, a saber, que a capa de Elias que ele recebeu deveria ser usada não como relíquia sagrada que se deve adorar, ou como um amuleto em que se deveria confiar em todos os momentos; mas, como “um símbolo” que como tal não apontava para si mesmo, mas para algo fora dele, no caso, a dependência do poder de Deus. De outro modo: Deus queria que Eliseu colocasse a sua confiança não em um manto, mas no Deus de Israel, que era maior que qualquer símblolo, ou melhor, que dava sentido ao símblolo. Como bem indaga Mattew Henry (2008), “de que nos servirá termos os mantos daqueles que partiram, seus lugares, seus livros, se não tivermos o espírito deles, o Deus deles?”

A relação de troca não é, em hipótese alguma, algo estimulado por Deus. Se queremos um relacionamento com Deus, devemos começar por nos desligar de tudo aquilo que é usador por nós como um amuleto, uma chave mágica ou algo semelhante a isso. O que nos garante uma vida de vitória não são tais reliquias, mas a nossa dependência em Deus. Temos d’Ele a promessa de que se n’Ele nos deleitarmos teremos os desejos do nossos coraçãoes satisfeitos (SL 37.4). Isso é relacionamento. Que inclui troca, mas não se baseia nela.


 

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